Salvação e transformação | |
Nessa época de preocupação com a eficiência e com o tempo presente, falar sobre “salvação eterna” é uma dificuldade, pois o interesse maior é o viver cada dia sem pensar no amanhã. Se as pessoas não querem se preocupar com o dia seguinte, muito menos com a salvação eterna, que lhes parece algo tão longínquo. No entanto, precisamente aí residem os valores da vida e da felicidade humanas. É conhecendo o nosso fim último que iremos viver o hoje, o agora.
Ouvimos também que a Igreja só deveria existir para a mudança social, sem a preocupação com a eternidade, que seria uma alienação. Esses termos muitas vezes presentes em palestras e livros já entraram no pensamento e reflexão atuais.
Constatamos, porém, que o pecado ronda e está muito presente na sociedade. Um mundo sem Deus é projetado constantemente como o melhor dos mundos, muitas vezes abusando do termo “laico” mal compreendido como que sendo o contrário da fé.
No entanto, vemo-nos envoltos numa atmosfera em que o sagrado parece que está perdendo a vez e a hora. E a Igreja, como recorda Santo Agostinho, segue como “estrangeira em meio às perseguições do mundo e às consolações de Deus (De Civitate Dei XVIII, 51).
O mesmo Bispo de Hipona nos alerta: “a Igreja, peregrina sobre a terra, em seu seio, unidos pelos laços dos sacramentos, tem também alguns que não estarão na felicidade eterna dos Santos (ibid. I, 35).
Constatamos que a sociedade não vive mais os valores cristãos que marcaram a nossa história: isso foi detectado como “mudança de época”.
Porém, é verdade que nascemos e fomos educados na fé cristã e que iluminou a nossa cultura. Queiramos ou não, em nosso país, a vida cristã com os seus valores é um fator constitutivo da nossa própria identidade de pessoas e também da nação.
Hoje, parece que as pessoas têm grande dificuldade para compreender a mensagem de Jesus à luz dos problemas cotidianos. Vivemos em um aparente confronto entre religião e sociedade moderna, entre a Igreja e os tempos de uma “nova” cultura. Vivemos esse tempo como “tensão” entre Deus e os homens. O sagrado, a mensagem da salvação, é para o homem de todos os tempos uma importante notícia numa sociedade secularizada, intolerante, plural e multifacetada. Como compreender a mensagem cristã no atual pensamento contemporâneo que rejeita o sagrado?
Ao reconhecer Jesus como nosso salvador, devemos ter presente que esta tensão sempre existirá. Nossa missão será não esmorecer e continuamente propor, pelo exemplo principalmente, mas também pelas palavras, a grande notícia a que somos chamados a dar ao mundo contemporâneo. Anunciar Jesus como um conhecimento de coração, de vida, de esperança, de alegria interior. Se assim vivermos, aí estaremos anunciando a salvação de Jesus, que é um apelo pela autenticidade de vida.
Devemos ter em mente que a salvação anunciada por Jesus é viver a felicidade anunciada por Ele, que foi condenado, abandonado, excluído e rejeitado em um ambiente hostil à sua mensagem.
A sua mensagem, portanto, é sagrada, mas ao mesmo tempo profundamente humana. Mensagem que não exclui ninguém, que é para todos os seres humanos, mas, comprometedora, pois nos pede uma relação com Cristo tal como Ele viveu em relação ao Pai. Para isso supõe-se o “sim” de cada um de nós, à semelhança de Maria. A sua mensagem nos leva a melhorar os relacionamentos que temos uns com os outros porque existe a certeza de que Ele está entre nós.
Não podemos deixar para amanhã as nossas respostas: “eis agora o tempo aceitável, eis agora o dia da salvação” (2Cor 6,2).
João Paulo II advertiu-nos: “também as pessoas do terceiro milênio precisam descobrir que Cristo é seu salvador. Esta é a mensagem que os cristãos têm que levar com renovada coragem ao mundo de hoje” (Homilia da Festa de Cristo Rei – 24/02/2002).
O caminho da salvação, portanto, a felicidade que nos é prometida por Jesus, não deve ser arrefecida frente à sociedade de hoje. Pelo contrário, temos o dever de atualizar esta mensagem. Buscar nas Palavras de Jesus frutos de esperança e de amor para os homens e as mulheres, os jovens e as crianças que recebem todos os dias ventos contrários à religiosidade e à crença do transcendente. Todos os cristãos devem renovar as suas forças de evangelização!
A resposta cristã para o mal é, sobretudo, espalhar a boa nova, e tornar cada vez mais presente a mensagem de salvação em Jesus. Os cristãos têm, sim, uma “boa notícia” para os homens de hoje, e devem compartilhar com estes, os que estão dispostos, e os que também não estão dispostos a ouvir.
E essa partilha de salvação que devemos ter com essa sociedade chamada de “pós-moderna” deve ser enfrentada, principalmente, pelo testemunho de vida, tal como nos observa Paulo VI na sua encíclica Evangelii Nuntiandi (41). O homem contemporâneo tem uma sensibilidade maior pelos homens de boa vontade, e quer ouvir os que testemunham mais do que aqueles que querem somente ensinar.
Precisamos ter isso em mente: todas as realidades humanas devem ser impregnadas pela mensagem de salvação que Cristo nos promete e nos afirma, não apenas em fórmulas escritas de princípios, mas em verdade e em vida. E nesse sentido, quanto mais vivermos a vida cristã com coerência, melhor poderemos colaborar com a vida mais justa e fraterna que todos desejam. Viver acolhendo a boa nova da salvação supõe uma vida renovada e transformada que, por sua vez, será como “fermento da massa” da “civilização do amor”.
As mudanças realizadas à força apenas conseguem colocar um “verniz” na vida das pessoas, muitas vezes com violências incríveis e falta de respeito à dignidade humana. Somente homens novos e santos é que detêm o grande segredo da revolução do amor, que é a ação do Espírito Santo que começa por atingir a pessoa por dentro e a leva a viver uma nova vida na paz e alegria! |